América Latina e a Morte de Júlio César


A peça de teatro Shakespeare denominada “Júlio César” retrata a conspiração tramada pelos senadores romanos e Bruto para assassinar Júlio César, ditador perpétuo e “Pai da Pátria”, com o intuito de salvar a república romana. Recentemente, na América Latina, algumas tramas têm se desenrolado de modo similar a esse episódio, checks and balances apunhalados, conspirações e instabilidade política. As instituições sofrem e a recuperação econômica caminha vagarosamente. Será que a América Latina corre o risco de ter o mesmo final da república romana?

 

Andrés Manuel López Obrador (AMLO) segue avançando com seu projeto de concentração de poder. Para tanto, a maioria no congresso não lhe é suficiente, é preciso atacar os checks and balances. Posto isso, AMLO tomou iniciativas como: cortar o fundo destinando a diversas instituições independentes que analisam o desempenho do governo executivo; iniciar a expansão da sua base política sacrificando a reforma educacional para ganhar apoio do sindicato dos professores; e conceder subsídios aos produtores rurais e diversos grupos da sociedade.

 

AMLO de modo demagógico anuncia o fim do neoliberalismo no México. O povo o aclama e sua popularidade atingiu sua máxima. Todavia, os investidores sabem que a demagogia funciona tão somente na política. Deste modo, os investimentos privados necessários para engendrar o crescimento do PIB começaram a cessar. Não à toa o PIB trimestral mexicano teve contração de 0,2%. Assim como Júlio César, AMLO vai vencendo batalha a batalha rumo a concentração de poder, mas assim como o senado frustrou Júlio César a economia poderá fazer com AMLO. Mucho ojo!

 

A peça de Shakespeare não deixa espaço para conclusão se Bruto é herói ou vilão por sua traição e, de fato, sua posição era ambivalente. Júlio César se tornara um ditador e ameaçava as instituições republicanas, Bruto visando o bem-comum, isto é, salvar a república romana, aplicou um golpe apunhalando Júlio César. A Venezuela, de certo modo, passa por esta situação. Nicolás Maduro respaldado pela força militar que ataca as instituições democráticas e persegue seus opositores versus Juan Guaidó, um líder da oposição que visando o bem-comum tenta aplicar um golpe contra o presidente.

 

Como sabemos, após o assassinato de Júlio César, a despeito do planejado por Bruto e o senado, Roma rumou ao fim de sua república. A situação na Venezuela vem demonstrando que um simples golpe não será suficiente para que as instituições democráticas voltem a reinar no país, há muitos interesses neste embate e a população ainda está dividida. Fato é que será necessário encontrar uma justa medida entre o despotismo de Maduro e golpe de Guaidó, ou pode ser tarde demais para uma geração inteira de venezuelanos.

 

“Pelo menos tiramos o Júlio César” teriam pensado os senadores e Bruto após a guerra civil instalada em Roma. Brincadeiras à parte, a república brasileira parece estar vivendo uma outra fase desta tragédia, o momento após a queda de Júlio César. O Impeachment de Dilma sempre foi considerado um ato pelo bem-comum e que resguardaria, sobretudo, os alicerces político-econômicos do Brasil. Após o governo interino de Michel Temer que logrou certa recuperação econômica e maior estabilidade política, surge a figura de Jair Messias Bolsonaro.

 

Na peça de Shakespeare assim discursou Marco Antônio no funeral de César: “Pois eu não tenho engenho nem estilo/Nem gravidade nem vocabulário/Nem a postura ou o poder da fala/Que faz ferver o coração dos homens./Eu só falo o que penso, sem rodeios”. Bolsonaro assim como Marco Antônio inflamou seus seguidores com seu linguajar popular e frases de efeito a fim de alcançar o poder. Todavia, o governo Bolsonaro , que aludiu “uma nova era”, vem agindo de modo similar a tudo que questionou anteriormente, isto é, com pouquíssima habilidade política, intervencionismo e com muita ideologia.

 

Sendo assim, após a ressaca econômica vivida pelo país fruto essencialmente de decisões econômicas questionáveis, é importante focar na retirada de empecilhos à uma retomada econômica que seja sustentável, com responsabilidade fiscal. Caso contrário, a recuperação econômica poderá continuar no ritmo da famosa canção de Martinho da Vila – “É devagar, é devagar/Devagarinho”

A América Latina enfrenta, além de seus desafios econômicos, um ataque às suas instituições e uma grande instabilidade política. Após eleições que prometeram muitas mudanças, vê-se, no entanto, a tão conhecida fraqueza das instituições latino-americanas. Com a ascensão de Bolsonaro a democracia brasileira aparentava correr maior perigo conquanto a um golpe, todavia, AMLO foi quem tomou medidas concretas contra os checks and balances, entretanto, a desaceleração econômica funciona como freio para as intenções de AMLO. A Venezuela, por sua vez, já com suas instituições tomadas, dá sinais de esgotamento e um desejo de insurreição. Portanto, pelo menos por enquanto, a América Latina dá sinais que suas repúblicas ainda respiram.


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