Introdução
O contexto macroeconômico global e nacional impacta de maneiras distintas o volume de operações no âmbito de ECM (Equity Capital Markets) e o panorama de negociações M&A (Mergers and Acquisitions).
O texto tem como objetivo interpretar a respectiva desproporção, demonstrando como ambos os segmentos vêm performando em 2022, ano marcado por uma significativa crise econômica internacional.
Em linhas gerais, com a elevação das taxas de desconto envolvidas nas avaliações de empresas e o aumento da aversão ao risco por parte dos investidores, o cenário de aberturas de capital foi significativamente comprometido. Ainda sobre Equity Capital Markets, as ofertas subsequentes continuam sendo atrativas em virtude de certas flexibilidades burocráticas. No caso das transações M&A, o âmbito é tido como uma grande oportunidade de crescimento e de investimento em meio às conturbações atuais.
Entendendo a sensibilidade dos IPO’s
No âmbito de ECM, as aberturas de capital em Bolsa (Oferta Pública Inicial – IPO) são as maiores operações no que diz respeito à movimentação de dinheiro dos investidores e à captação de caixa pelas empresas. Neste sentido, considerando tal magnitude, é inevitável que o processo envolvido nesse tipo de transação apresente algumas barreiras até sua consolidação, as quais tornam-se cada vez maiores de acordo com a instabilidade do cenário financeiro/econômico vigente. As condições para a execução do deal envolvem desde procedimentos regulatórios estabelecidos pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) até os fatores relacionados ao termômetro conjuntural do Mercado, variável fundamental do processo.
Para compreender a respectiva relação, primeiramente, é necessário destacar que o Mercado Financeiro e as decisões de seus agentes são movidos pela lógica do constante equilíbrio entre risco e retorno. Em outras palavras, os investidores dispostos a assumir o alto risco de determinados ativos exigem, consequentemente, a possibilidade de maiores rentabilidades em seus investimentos. Essa é a ideia central que permeia a determinação do valor das empresas e de suas ofertas no Mercado Primário da Bolsa de Valores.
Quando uma empresa de capital fechado decide realizar um IPO, a primeira etapa a ser executada, além de todos os cumprimentos burocráticos, é a definição do fair value, baseando-se na estrutura financeira da companhia e suas projeções de crescimento futuro. Assim como qualquer valor projetado no futuro, o preço de uma ação deve ser trazido a valor presente a partir de uma taxa de desconto aplicada, composta pelo custo da dívida e o custo do capital próprio. É nesta conversão que os riscos atrelados ao contexto externo são adicionados na conta.
Citando termos técnicos, o piso do custo de capital é o retorno de ativos livres de risco, ou seja, a ação de uma empresa, para ser atrativa ao investidor, deve no mínimo garantir um rendimento acima dos títulos do Tesouro Nacional, cuja chance de calote beira a zero. Em seguida, deve-se adicionar o Prêmio de Risco do Mercado, o qual funciona mediante a lógica já citada anteriormente: grandes riscos exigem maiores retornos.
Tratando-se do custo da dívida, ele varia de acordo com a alteração dos indexadores atrelados aos financiamentos da empresa.
Portanto, concluindo o raciocínio, quanto maiores forem os custos de dívida e de capital da companhia, maior será a taxa de desconto e, consequentemente, o valor justo da empresa tende a diminuir progressivamente. É neste cenário que o Mercado de Capitais encontra-se atualmente.
O aperto das condições financeiras, provocado pelo ciclo de alta da taxa juros na maioria dos países, vem apresentando grandes impactos no valuation das empresas.
Uma elevada taxa básica de juros, além de inflar o custo da dívida das empresas, é um determinante crucial do Prêmio de Risco. Juros altos são convertidos em instabilidade e recessão econômica, intensificando os riscos atrelados aos equities.
Além disso, o próprio cenário de incertezas da economia mundial afeta diretamente os drivers de crescimento projetados nos resultados futuros das companhias. Com projeções pessimistas referentes ao PIB nacional, é natural pensar que a performance das empresas seja negativamente afetada pela baixa atividade econômica do país.
Dadas as respectivas considerações, vamos voltar a falar do processo em si. Considerando o atual cenário macroeconômico brasileiro, com destaque para uma taxa Selic de 13,75 a.a., um baixo crescimento projetado para o PIB e os riscos envolvendo a política fiscal do governo, o Mercado Financeiro foi marcado por três fenômenos principais:
- Fuga para as taxas atrativas dos títulos de renda fixa e aversão ao risco atrelado às ações das Bolsas de Valores.
- Aberturas de capital deixaram de ser vantajosas para grande parte das companhias, no que diz respeito ao potencial de captação. Com o aumento das taxas de desconto, os donos das empresas de capital fechado viram o valor de suas firmas serem progressivamente subestimados na precificação dos investidores. Portanto, muitas companhias adiaram os planos de abrir o capital em Bolsa, com o intuito de aguardar o momento no qual suas ações serão avaliadas no preço justo considerado pelos sócios. Outrossim, historicamente, os investidores na B3 são atraídos apenas por grandes ofertas primárias, restringindo o processo a um número pequeno de empresas.
- Baixa aderência dos investidores às possibilidades de abertura de capital. Empresas de capital fechado, geralmente, ainda não apresentam um business model 100% consolidado. Tal fator aumenta o risco inerente a esses investimentos. Desta forma, não é incomum que as ações de uma empresa despenquem após um IPO, tendo em vista a imprevisibilidade do Mercado. O atual panorama de incertezas envolvendo a conjuntura econômica aumenta as chances destes episódios ocorrem.
Vale ressaltar que a Guerra da Ucrânia e a recessão econômica global são outros aspectos que intensificam o horizonte de incertezas por parte dos investidores.
Em suma, desde a metade do ano passado, o volume de IPO’s permaneceu congelado no Mercado de Capitais brasileiro. Após um primeiro semestre de 2021 com um recorde de valores negociados e um total de 46 aberturas de capital, o cenário foi totalmente invertido.
Durante o período aquecido, a taxa de juros ainda se encontrava em um patamar entre 2,75% e 3,5% ao ano. Com o avanço das campanhas de vacinação e a distribuição dos auxílios emergenciais, a economia teve uma reativação abrupta no início de 2021. Houve, por conseguinte, a combinação de dois fatores: investidores com dinheiro pronto para ser aplicado e valuations superestimados. Foi o estímulo perfeito para o boom de IPO’s.
Porém, o jogo virou com o surgimento da pressão inflacionária, obrigando o Banco Central a trazer a taxa de juros a níveis altíssimos. A medida enxugou o dinheiro em circulação e acarretou descontos significativos na precificação dos equities.
Como resultado, desde agosto de 2021, não houve nenhuma abertura da capital na Bolsa de Valores brasileira. Até o fim de 2021, foram registradas cerca de 61 desistências de ofertas primárias.
O comportamento diferente do follow-on
Por outro lado, quando falamos de follow-on, a situação é mais otimista. Existem algumas regras estabelecidas pela CMV, órgão regulador do Mercado de Capitais, que determinam condições iniciais para a abertura do capital na B3. Uma delas especifica que a empresa interessada em realizar um IPO deve disponibilizar o histórico completo dos três últimos anos de suas demonstrações financeiras. O problema mora no seguinte fato: desde 2019, todas as empresas tiveram suas finanças afetadas pela pandemia do covid-19. Logo, a atratividade das companhias diminuiu drasticamente.
No caso das ofertas subsequentes, as empresas já possuem seu capital aberto. Isso implica em: registro mais amplo de suas demonstrações financeiras e uma precificação já determinada pelo Mercado. Consequentemente, o follow-on segue como uma alternativa vantajosa para a expansão do caixa das companhias em um contexto de crise econômica, de forma que o volume dessas operações atingiu níveis recordes no primeiro trimestre de 2022.
M&A como oportunidade
Em relação às fusões e aquisições, a lógica de funcionamento das transações é completamente diferente. De fato, a relação entre taxa de desconto e determinação do valor da empresa segue igual. Entretanto, deve-se enxergar o Mercado de M&A como uma oportunidade muito vantajosa de crescimento para as companhias, independente das circunstâncias econômicas correntes.
Primeiramente, o risco de assumir o investimento fica restrito apenas a um comprador (empresa ou fundo), viabilizando e facilitando o processo de concretização dos deals. É natural concluir que é muito mais simples realizar uma negociação dependente apenas de duas partes, quando comparado a uma operação a qual abrange milhares de investidores, como um IPO.
A esse ponto, acrescenta-se o fato de que as transações M&A, em sua grande parte, são acompanhadas de muitos benefícios para os lados envolvidos. No caso de um comprador estratégico (empresa), as sinergias promovidas pela fusão/aquisição são previstas pelas equipes financeiras de Investment Banking. Compras estratégicas servem para complementar demandas específicas do target (empresa em negociação) e do buyer, de maneira que os riscos envolvendo a performance de ambos os papéis não são colocados em primeiro plano nesse tipo de operação.
Para compradores financeiros (fundos), a valorização da ação do target é um aspecto fundamental para o prosseguimento do buy-side. Porém, as aquisições por fundos de investimento têm uma ênfase muito forte na performance a longo prazo da empresa comprada. Assim, os riscos de curto prazo não são impeditivos para a concretização dessas transações. Com o passar dos anos, tendência natural é de crescimento do target em função do capital investido.
No meio de private equity, apesar dos riscos maiores, as possibilidades de ganhos e de crescimento por parte dos agentes envolvidos apresenta uma margem ainda mais ampla.
Atribuídas as seguintes considerações, justifica-se os números surpreendentes de transações M&A ocorridas em 2022. No primeiro semestre, foram registrados 1060 deals no total, com destaque para o setor de tecnologia. Pode-se concluir que os compradores financeiros estão aproveitando o momento para adquirir empresas com valor descontado, aumentando a possível margem de ganho futuro, e os agentes envolvidos em compras estratégicas pretendem colher o fruto das sinergias para minimizar os impactos macroeconômicos em seus resultados, impulsionando os modelos de negócio.
Referências Bibliográficas
https://www.cnnbrasil.com.br/business/sem-ipo-bolsa-tem-recorde-de-follow-on-no-primeiro-trimestre/
https://www.bain.com/insights/global-m-and-a-report-midyear-2022/
https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/fusoes-ipos-2022?amp
DAMODARAN, A. Avaliação de investimentos: Ferramentas e Técnicas para a Determinação do Valor de Qualquer Ativo. QualityMark; 2ª edição (1 janeiro 2010).