Hedge é um mecanismo cuja finalidade é proteger investimentos que estão expostos a uma alta volatilidade, limitando as chances de uma grande variação de valor.
Imagine que um investidor comum, sem muito conhecimento e experiência, investiu todo seu capital no mercado de ações, mais especificamente em apenas uma ação da empresa XYZ. Suponha que problemas com executivos ou com a contabilidade da empresa são revelados e em um só dia os papéis despencam mais de 15%. Investir em apenas um papel expõe o investidor a um risco muito alto, seja de de mercado, liquidez, etc., que no caso descrito implicou em uma perda de 15% do patrimônio do investidor.
Gestores de fundos, investidores individuais e empresas usam mecanismos de Hedge para diminuir sua exposição aos riscos. Na maioria dos casos são usados derivativos para “hedgear” posições, como contratos futuros e opções, entre outras alternativas.
O primeiro hedge que geralmente aprendemos quando começamos a estudar o mercado financeiro é a diversificação em ações. No exemplo acima, caso a carteira de ações do investidor fosse mais diversificada, as perdas atribuídas a um papel não afetariam o patrimônio de forma tão severa.
Suponha que o investidor possua 15 ações em seu portfólio e que cada uma tenha o mesmo peso na carteira. Esse tipo de hedge protege – até certo ponto – o capital do investidor contra o risco empresa. A queda de 15% nos papéis da XYZ representaria uma queda de 15% de 1/15 do patrimônio total, bem menos se, como no exemplo, o capital estivesse inteiramente alocado em apenas um papel.
Mas o que aconteceria com o portfólio no caso de um crash na bolsa?
Quando esse tipo de evento ocorre, a maioria das ações segue o índice e acabam perdendo valor rapidamente. Nesse caso, uma diversificação em ações não faria tanta diferença e, por isso, apenas esse mecanismo de hedge não seria suficiente caso o investidor esteja buscando principalmente proteção do seu patrimônio.
Em tempos de alta volatilidade ou incerteza, muitos investidores buscam proteção utilizando estratégias de hedge usando futuros, com o intuito de neutralizar ao máximo algum risco específico.
Futuros de índices de ações
Caso o investidor opte pelo hedge da sua carteira de ações, uma das alternativas é usar futuros de índices como mecanismo de proteção. Caso a carteira em questão seja uma réplica de algum índice de ações, por exemplo o S&P 500, o hedge do portfólio pode ser estabelecido entrando em posição vendida no índice futuro.
VA = Valor atual do portfólio
VF = Valor atual de um contrato futuro (preço futuro X tamanho do contrato)
Caso o valor do portfólio seja, por exemplo, $18.125.000, o preço futuro do índice a 2.900 e o valor de cada contrato $250, devem ser vendidos 25 contratos futuros de índice.
Se a carteira de ações a ser “hedgeada” não corresponde a uma réplica do índice, alguns ajustes podem ser feitos usando o Modelo de Precificação de Ativos Financeiros (CAPM), mais especificamente o β.
Seguindo esse modelo de hedge para um portfólio diferente da cesta de ações do índice, a posição vendida deve ser ajustada conforme a relação entre o portfólio e o índice – o β.
Suponha que o portfólio tenha um beta de 2:
Para fazer o hedge de um portfólio que varia o dobro da variação do índice, a posição consequentemente também deve ser dobrada, ou seja, vender duas vezes o número de contratos futuros de índice.
O número de contratos também pode variar caso a vontade do investidor seja mudar o beta da carteira para um valor diferente de zero (neutralidade), sendo assim, a mudança de β para β*, onde β > β*:
Quando β < β*:
Long & Short em ações
Amplamente conhecida e usada no mercado financeiro, a estratégia long & short consiste em entrar comprado (long) e vendido (short) em diferentes ações, geralmente do mesmo setor (por exemplo locadoras de automóveis). Como ações que fazem parte de um mesmo setor em geral tem uma forte correlação, a operação de hedge nesse caso apresenta uma melhor coesão.
Suponha que um fundo de investimentos Long & Short considera que os papéis da Localiza (RENT) estão sub precificados, ou seja, estão sendo negociados abaixo do que o fundo considera seu valor justo e, ao mesmo tempo, acredita que as ações da Locamérica (LCAM) estão acima do seu valor justo. Nesse caso, o gestor entra comprado em RENT e ao mesmo tempo vendido em LCAM.
Entrando long na Localiza e short na Locamérica, o gestor considera que o preço de ambas se moverá de forma semelhante (razão do hedge) e que a primeira se sairá melhor do que a segunda ao longo do hedge, por isso a decisão de vender uma enquanto compra a outra.
Ray Dalio e o Santo Graal
Fundador do que é hoje o maior hedge fund do mundo – Bridgewater Associates –, Ray Dalio iniciou sua carreira prestando consultoria para diferentes empresas, na maioria das vezes sobre gestão de patrimônio e proteção de ativos, ou seja, o tema do texto em questão. Uma das histórias mais interessantes sobre suas consultorias, foi sem dúvida a do Chicken McNuggets, que pode ser conferida na redação anterior sobre mercado futuro.
O que Ray Dalio chama de Santo Graal é uma ideia relativamente simples, porém, aplicada por poucos na época. O mecanismo é basicamente dividido em três frentes, que podem ser observadas a seguir:
risco (desvio padrão), quantidade de ativos e a correlação entre eles.
O que o gráfico diz é que quanto maior a correlação entre os ativos no portfólio, menor a possibilidade de reduzir riscos adicionando novos ativos da mesma classe. Ou seja, uma carteira contendo 20 ações não reduziria mais o risco do que uma com apenas 5, ao fazer parte da mesma classe de ativos, a tendência é que os preços sejam movimentados de forma “semelhante” e caso um evento como crises, pandemias ou crashes provoque uma queda brusca na bolsa de valores, a carteira inteira estaria em grande risco.
Supondo que a carteira seja composta por apenas um ativo – que para fins de simplificação, possui retorno esperado de 10% e risco também de 10%. Ao adicionar mais ativos, qual seria o impacto no risco da carteira?
Considerando que os ativos sejam da mesma classe, como ações, por exemplo, em determinado ponto a adição de novos ativos se tornaria irrelevante do ponto de vista de redução de risco. A forte correlação entre eles nos diz que seus movimentos de preço,tanto de alta, quanto de baixa, tendem a ser semelhantes na maior parte do tempo, o que por consequência se torna um hedge ineficiente em várias situações adversas.
Caso sejam adicionados novos ativos – supondo novamente que tanto o risco quanto o retorno sejam 10% -, dessa vez, porém, de diferentes classes , a carteira não perde seu rendimento esperado e, ao mesmo tempo, o risco diminui substancialmente caso a correlação entre eles seja baixa. Buscar cada vez mais bons ativos com baixa correlação eleva substancialmente o retorno do portfólio comparado ao risco, esse é o poder da diversificação com balanceamento de riscos.
Edward Thorp e a ‘fórmula para precificar opções
Considerado por muitos como o precursor do método de investimento Quant quando deu início ao seu fundo no final dos anos 60, o Princeton Newport Partners. Edward Thorp ficou bastante conhecido pelo seu estudo científico sobre o jogo blackjack (21), depois transformado no livro Beat the Dealer que vendeu milhões de cópias pelo mundo e deixou muitos cassinos com uma tremenda dor de cabeça. Após aventurar-se em estudos sobre jogos de azar, Thorp decidiu tentar a “sorte” onde ele considera o maior cassino de todos, Wall Street
Foi a primeira pessoa – até onde se sabe – a usar a fórmula de Black-Scholes para precificar opções, que mais tarde seria publicada por Fischer Black e Myron Scholes como estudo científico, resultando em Prêmio Nobel em 1997. Na época, a estratégia de investimentos do PNP era um mecanismo delta hedge chamado convertible hedge, basicamente um long & short de valores mobiliários conversíveis (warrants, opções, títulos conversíveis) e seus respectivos ativos subjacentes.
Suponha que a opção de compra da empresa XYZ esteja sub precificada, segundo os modelos de Thorp. Dito isso, há um descasamento entre o valor da ação e de sua opção, então o fundo basicamente entra comprado nas opções e vendido em ações, caso contrário, se a opção estivesse sobre precificada, seriam lançadas ordens de venda para as opções e compra para as ações.
Como a flutuação nos preços do derivativo varia de acordo com o preço do seu ativo subjacente, nas proporções corretas os riscos são eliminados. Assim, quando o descasamento dos preços desaparecer – o que é esperado – a posição seria fechada nas duas pontas, obtendo o lucro com o menor risco possível.
Nem tudo são flores – Long-Term Capital Management
Existem inúmeros hedge funds que falharam em algum momento, muitos deles sofreram danos tão severos que nunca mais se levantaram. Long-Term Capital Management foi o maior deles.
“The bigger they are, the harder they fall.”
LTMC foi um hedge fund composto por grandes traders, phd’s e inclusive vencedores do Prêmio Nobel e era considerado o time mais talentoso da história dos hedges funds. Fundado em 1994, foi foco de investidores de alto nível, incluindo até Bancos Centrais ao redor do mundo, chegando a gerir aproximadamente $150 bilhões em ativos no início de 1996.
Alguns eventos como o calote da Rússia em 1998 afetaram severamente o mercado e, posições que os gestores acreditavam que iriam seguir um caminho, acabaram indo na contramão, afetando de forma agressiva as posições do LTCM, principalmente aqueles em títulos de países emergentes. O fundo foi incapaz de liquidar as posições devido a grande diminuição na liquidez de ativos que já eram por si só ilíquidos, levando a perdas de aproximadamente 50% do valor dos investimentos.
O LTCM era tão grande que sua quebra afetaria todo o mercado, daí a frase “too big to fail”. O FED interviu, reunindo diversos bancos para socorrer o fundo.
A história do colapso Long-Term Capital Management é apenas uma dentre muitas outras no mercado financeiro. Má gestão de risco e alavancagem podem levar até os mais brilhantes gestores ao colapso e, em casos extremos como o descrito, até mesmo grandes economias.
Uma resposta para “Hedge”
Fala, galera!! Ótimo conteúdo, parabéns.
Vice-presidente UNIP Finance.