UMA BREVE VISÃO SOBRE SPACs


A economia nos ensina que a falta de oferta em um ambiente com demanda pode levar a ineficiência de mercado. Neste sentido, apesar de a atmosfera das SPACs possuírem muitas críticas e preocupações, é evidente que seu reforço nos últimos anos vem sendo expressivo com a demanda de mercado. Contudo, é importante destacar que se trata de uma operação financeira que existe há 20 anos e está encontrando seu “boom” em meio ao contexto global e americano. 

 

 

É válido destacar que o mercado de alto risco é impulsionado pelos altos retornos esperados. No cenário internacional, a baixa taxa de juros tem sido um fator estimulante para este tipo de produto no mercado. Dessa forma, as SPACs se apresentam como um produto alternativo aos IPOs convencionais e, apesar de não serem de fato, elas detém características semelhantes a fundos de Venture Capital e Private Equity.

Sem dúvida, as Special Purpose Acquisition Company (Empresas de Proposta de Aquisição Especial) ou “Cheques em Branco”  são uma espécie de transação engenhosa que mescla a relação risco-retorno de capital privado com a liquidez do mercado de ações. Apesar de serem capital de alto risco, elas detém características atraentes para os investidores institucionais. Uma das principais atrações em um IPO é sua liquidez. As SPACs não só possuem tal característica, como também fornecem a expectativa de retorno de investimentos semelhantes à economia real. 

 

 

Em 2020, as SPACs foram responsáveis por 55% do número das ofertas públicas de ações. Um crescimento de mercado relevante, dado que desde sua origem ela se apresentava “tímida” ao mercado – ou, talvez, o mercado era tímido em relação às SPACs.  

Como supracitado, o crescimento deste tipo de transação foi resultado de um incentivo maior à busca por risco, graças aos juros mais baixos. Juntamente a isso, há um fator importante: o menor rigor jurídico se comparado aos IPOs tradicionais, o que garante a entrada a mercados diversificados como o de viagens espaciais e carros elétricos. Ainda, com a recuperação da economia, alguns especialistas afirmam que há expectativas de crescimento e manutenção da importância das SPACs no mercado de capitais.

 

 

No mercado das SPACs percebe-se que a grande maioria encontra-se em busca de um target. Em segundo lugar vemos que 33% das SPACs listadas já realizaram sua aquisição e estão operando. Por fim, verifica-se que 15% desse montante já anunciou seu alvo, enquanto 9% foram liquidadas por não encontrarem o alvo a tempo.   

É possível ver que esse mercado vinha ganhando visibilidade desde o início da década passada. Embora tenha retrocedido levemente em volume financeiro na média até 2018, face a um ambiente desafiador para o mercado de capitais (EUA), as SPACs cresceram em volume e tamanho de oferta. Se considerarmos o número de transações como um sinal de liquidez, podemos ver que ainda com um  “receio ao risco” durante a crise da COVID-19, as SPACs cresceram em número de transações e diminuíram pouco em relação ao tamanho médio das ofertas.

 

 

SPONSOR
“Você daria seu dinheiro para Bill Gates ou Steve Jobs idealizarem e executarem um novo negócio?”

O conceito de sponsor (patrocinador) é fundamental para entender o mecanismo desse instrumento de levantamento de capital. Isso se deve ao fato que as empresas que optam por este tipo de fundraising possuem gestores, CEOs, CIOs, CFOs de grande renome e track record. Esse reconhecimento traz uma reputação forte do ponto de vista de governança corporativa e resultados, fazendo com que os bancos de investimentos e investidores se sintam mais atraídos a esse tipo diferenciado de IPO.

De acordo com o relatório global de private equity da Bain, os sponsors costumam receber 20% do equity no processo de IPO. Claramente, isso não se traduz em dinheiro líquido em suas contas, mas sim no direito sobre units da empresa.

 

Funcionamento 

A operação é formada a partir de um grupo de sponsors que angariam fundos (na forma de um IPO) e utilizam o dinheiro para aquisição de uma empresa alvo atraente, a fim de obter o controle da companhia e transformá-la em um ativo negociável no mercado de capitais.  

É importante destacar um fator: a operação pode ou não possuir um target prévio. Isto é, ao longo da oferta, o grupo de sponsors podem apresentar o alvo que planejam adquirir ou não, deixando esta decisão a ser feita após o levantamento de capital. 

 

Mecânica

Em termos de mecânica, este tipo de oferta pública não possui valuation. Entre outras palavras, não é possível estimar o valor de uma empresa que ainda não existe. Por essa razão, os preços das units (ações) são definidos à uma taxa fixa e costumam possuir o bônus de subscrição.

Além disso, como mencionado acima, o track record do sponsor pode contribuir para uma maior confiança do investidor e, consequentemente, de um maior cheque.

Uma parte menor do capital levantado é utilizado para pagamento da operação de aquisição (investment banking services)  e o restante usado para a liquidação da companhia privada, como citado em linhas anteriores. Ainda, vale destacar que a aquisição da companhia alvo precisa da aprovação de pelo menos 80% dos investidores, mecanismo que dá um pouco mais de segurança aos donos das units

Após possuírem o capital do IPO, o dinheiro é colocado em uma conta que recebe juros fixos. Este dinheiro só poderá ser utilizado para a compra da empresa alvo e tem um prazo máximo de 2 anos para a liquidação. Em outras palavras, se o montante não for efetivamente utilizado em uma aquisição, ele é liquidado e devolvido ao acionista. 

 

Riscos

De acordo com a Reuters, um “batalhão” de investidores amadores têm entrado nesse mercado. De fato eles têm ajudado a sustentar essa liquidez. Embora as ações e IPOs no geral envolvem um risco intrínseco, as SPACs levam este fator a um novo nível.

Rumores e volatilidade: Os rumores e notícias tem afetado especialmente o desempenho desses papéis. Se por um lado isso é um terror para os investidores pessoa física, por outro se transforma em um bom ambiente para os fundos de hedge

Risco de Mercado – Muitas das vezes as SPACs estão longe de gerar caixa ou mesmo adquirir a empresa em si e isso acaba afetando seu valor intrínseco muito mais força. 

Risco de Governança – Associado com o risco de mercado, um estudo elaborado pela PwC sugere que entre 2016 e 2019, os papéis das SPACs performaram melhor antes da aquisição da empresa alvo (pre-merger), – o que leva a uma busca mais forte de melhores parceiros para aquisição (merger).

 

Críticas

Se analisarmos a trajetória de 20 anos até hoje, veremos que a grande maioria dos investidores desse tipo de transação ainda são os institucionais, em especial, os fundos de hedge. Nos anos iniciais, existiam muitas críticas às SPACs, uma vez que os fundos de hedge tinham estratégias short para tais operações.

Somado a isso, alguns relatórios de consultorias também apontam para uma performance melhor do ativo (em termos de listagem na bolsa) antes da aquisição da companhia, período no qual os fundos de hedge tendem a manter sua posição. Ao cruzar esses relatórios com o estudo da Yale University e NYU, verifica-se que um dos fatores que influenciam a baixa performance é o alto pagamento de fees aos sponsors. Ainda assim, poucas análises ainda são feitas medindo o desempenho real das empresas para além das flutuações dos papéis. 

Podemos citar dois exemplos que ilustram bem o ambiente volátil e inesperado desse ativo. Investidores como o americano Bill Ackman e o ex-banqueiro Michael Klein têm se tornado símbolos do “boom” dos “cheques em branco”.

Em primeiro lugar, Ackman é um grande gestor de fundos de Hedge e já realizou esse tipo de transação bilionária. Sua segunda transação aguarda por encontrar o “alvo” de aquisição. Por sua vez, Michael já realizou quatro operações, e suas aquisições apresentam altos volumes e um foco em tecnologia e startups. Ao mesmo tempo, uma das SPACs de Michael Klein (Churchill Capital) foi uma das mais “shorted” da história e uma das razões pode ser o próprio valor de mercado de US$57 bilhões. Por sua vez, a recente SPAC de Ackman apresenta preocupações na aparente falta de um target certeiro e traz baixa performance para o ativo.

Além disso, de acordo com a Reuters (Maio de 2021), as 100 SPACS que anunciaram aquisição de um target no ano de 2021 tiveram um retorno de apenas 2% com relação ao preço que eram negociadas em seu primeiro ano de listagem. Isso pode ser resultado de um maior escrutínio e regulação que pode afugentar alguns investidores. 

 

Outras Tendências 

SPACs no Brasil?: Apesar de parecer um pouco distante do mercado nacional, a ANBIMA já iniciou os análises do tema sob execução de um grupo de estudos formado por  bancos de investimentos, advogados e gestoras de recursos. Isso é resultado de uma busca de clientes por tais ativos. De acordo com o Valor Econômico, a ANBIMA visa desenvolver a regulação das empresas de aquisição especial sob forma de S.A ao invés de Fundo de Investimento em Participações. 

Relação com M&A: Assim como fundos de private equity e venture capital movimentam o mercado de fusões & aquisições, especialistas esperam que as SPACs movimentem cada vez mais este mercado. Nos Estados Unidos, elas foram responsáveis por 174 transações de M&A. Outro sinal importante é que, enquanto o tamanho médio do IPO das SPACs foi de US$ 300 milhões, os deals que executaram em M&A teve um ticket médio de US$ 2,3 bilhões. 

Familly Offices: Há uma expressiva participação de family offices na demanda das empresas de aquisição especial, graças a uma flexibilidade maior de alocação de capital. Essas gestoras de recursos próprios, tendem a ter uma grande agilidade em fazer investimentos em SPACs dado ao seu leque de conexões e networking típico, de acordo com Jane Leung, chefe de Silicon Valley Bank. Pode-se citar como exemplo, o Family Office focado em tecnologia.

Indústrias: De acordo com o Statista, os setores de alta tecnologia movimentam a maior parte das aquisições feitas pelas SPACs. Em segundo lugar, destaca-se o setor “social”, formado por aquisições relacionadas a consumo, serviços e ESG.

 

REFERÊNCIAS

https://capitalaberto.com.br/nao-listavel/o-fenomeno-das-spacs/ 

https://www.investopedia.com/terms/s/spac.asp 

https://forbes.com.br/forbes-money/2020/11/como-as-spacs-se-tornaram-a-galinha-dos-ovos-de-ouro-de-wall-street/ 

https://www.reuters.com/business/spac-returns-trail-sp-500-retail-investors-temper-interest-2021-05-04/ 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/05/13/spac-a-brasileira-desperta-interesse-e-discussoes-sobre-o-tema-avancam.ghtml 

https://www.ft.com/content/059ce5cd-f166-4e9d-8795-d415bf3f7f25 

https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-04-16/family-offices-are-targeting-800-returns-with-spac-economics 

https://spacconsultants.com/spac-acquisition-industries-and-sectors-2020-2021/

Klausner, Michael D. and Ohlrogge, Michael and Ruan, Emily, A Sober Look at SPACs (October 28, 2020). Yale Journal on Regulation, Forthcoming, Stanford Law and Economics Olin Working Paper No. 559, NYU Law and Economics Research Paper No. 20-48, European Corporate Governance Institute – Finance Working Paper No. 746/2021, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3720919 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3720919


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